Com que frequência você puxa um papo com uma atendente de supermercado, com uma pessoa que divide o espaço público com você, ou com uma amiga provisória na fila do banheiro?
Uma fonte de nutrição para a nossa saúde social muitas vezes esquecida é a importância de ter momentos amigáveis com pessoas desconhecidas. Essas pequenas interações do dia a dia podem afetar o nosso humor e energia ao longo do dia.
É o que aponta as pesquisas.
Pesquisadoras dividiram um conjunto de participantes em dois grupos: um deles foi instruído a interagir com a atendente, e o outro, a ser o mais breve possível. O resultado? Pessoas que sorriam, faziam contato visual e tinham alguma interação social com a atendente saíram se sentindo melhor e com maior sensação de pertencimento do que aquelas instruídas a serem o mais breves possível.
O problema é que normalmente a gente tem preguiça ou a sensação de que falar com pessoas desconhecidas vai ser chato, ruim ou desprazeroso. E assim, evitamos o contato social. Mas as pesquisas mostram que somos muito ruins em previsões afetivas, ou seja, não sabemos prever muito bem se algo vai ou não nos trazer sensações positivas. Quando se trata de interações sociais, nossa tendência é pensar mais nos custos potenciais do que nos possíveis benefícios.
Outra pesquisa realizada na Universidade de Chicago demonstrou a nossa dificuldade em fazer uma boa previsão afetiva quando se trata de interações sociais com pessoas desconhecidas. Foi solicitado a passageiras de um trem que imaginassem qual cenário seria mais prazeroso nesse caminho - conversar ou não com pessoas desconhecidas. A maioria previa que falar com estranhos seria uma experiência ruim, mas a experiência real foi o oposto do esperado.
Quando instruíram metade do grupo a puxar assunto com pessoas desconhecidas e a outra metade a permanecer em silêncio, a maioria que conversou teve uma experiência positiva e classificou o trajeto como melhor que o habitual.

Um outro problema que afeta essas interações sociais que alimentam a nossa saúde social no dia a dia é o nosso modelo de vida cada vez mais convenientemente sem contato. Desde 2020, com a pandemia, vemos a ascensão do comércio sem contato, por exemplo. Pedir nossas comidas em aplicativos e pagar uma conta em um totem de caixa automático é cada vez mais comum.
Embora muito conveniente, é a convivência com atrito que nos ensina sobre como se conectar, como ser empática, como ter curiosidade com o outro, como fazer concessões, como ser empática. O tempo todo temos oportunidades de fortalecer nossos músculos sociais, mas cada vez mais optamos por não exercitá-los e assim existe um perigo real de atrofia social. A tendência é nos tornarmos ainda mais individualistas e indiferentes aos desejos uns dos outros quanto menos interações sociais temos com pessoas desconhecidas no dia a dia.
O que acontece quando há uma institucionalização da vida sem contato e perdemos os benefícios dessas interações sociais que são responsáveis por nos sentirmos mais conectadas?
E as consequências da era sem contato já podem ser sentidas nas grandes cidades. Estudos mostram que quanto mais densamente povoada uma cidade é, menos civilizada as pessoas se tornam. Isso porque quando é pouco provável voltar a ver uma pessoa, maior a chance de sermos hostis com ela e maior a necessidade de ativarmos nossos mecanismos de defesa.
“Se disséssemos oi para todas pessoas por quem passamos, estaríamos roucas ao meio dia” Shannon Deep. Confrontadas com um número tão grande de pessoas nossa resposta é recuar e poupar nossos recursos sociais. Teóricas sociais afirmam que as cidades desenvolvem uma “cultura de cortesia negativa", normais sociais que inferem que é rude interferir no espaço emocional ou físico de alguém, e como consequência as cidades se tornam menos coletivas, menos cuidadas pelas cidadãs e mais violentas.
“O anonimato gera hostilidade e falta de cuidado, e a cidade, cheia de milhões de estranhos, é anônima demais” Noreena Hertz
Que tal experimentar exercitar seus músculos sociais com pessoas desconhecidas? Você pode optar por ir a um restaurante ou ao supermercado, ao invés de pedir na sua casa. Você pode optar pegar o transporte público e conversar com as pessoas no seu caminho. Você pode oferecer ajuda a uma pessoa na rua. Você pode se sentar em um espaço público e puxar assunto com alguém ao seu lado.
Talvez você tenha algumas experiências negativas, afinal, estamos todas sendo afetadas pela previsão negativa e pela cultura de cortesia negativa. Ou você pode ter experiências altamente positivas. No mínimo você vai ter uma oportunidade de exercitar alguns músculos sociais que talvez estejam adormecidos por aí.
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Fonte: Uma boa vida: como viver com mais significado e realização, de Marc Schulz e Robert Waldinger e O século da solidão, Noreena Hertz
Até breve com mais atravessamentos,
Marcelle Xavier
Pessoas neurodivergentes frequentemente tem shutdown ao socializar, especialmente com desconhecidos. Para essas pessoas, esse tipo de interação não nutre mas esgota.