Olá, tudo bem por aí?
Aqui é a Marcelle Xavier, iniciadora do Instituto Amuta, uma plataforma para transformar as relações através do Design. Tudo que fazemos no Amuta é fruto de muito estudo, e criei esse espaço para compartilhar as pesquisas e o processo por trás dos conteúdos e práticas criadas no instituto.
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Antes de começar, tenho um convite para você. Se você me acompanha por aqui deve ter visto que está rolando a Missão Amuta né? E tá bem lindo de viver! E na terça feira, dia 27/02 a gente fecha essa experiência com chave de ouro em um encontro que é a nossa única aula aberta de Design de Conexões de todo o ano. Nessa aula vou compartilhar tudinho sobre a nossa abordagem, para que qualquer pessoa possa sair de lá aplicando na construção e nutrição das suas relações e comunidades. E a cereja do bolo (pra quem gosta de cereja): vamos compartilhar a nova edição do nosso inventário de práticas. É online e gratuito, espero vocês lá! Inscrições no link.
O amor é um hábito.
Como a atendente que se põe a sorrir para estranhas, o casal de velhinhos que toda vez que pega um elevador sozinhos dão um beijinho, a mulher que tira fotos encantadoras das suas amigas e envia em dias aleatórios com os dizeres “já se lembrou o tanto que você é linda hoje?”, a família que criou um grupo de whatsapp para todos os dias compartilhar em imagens os grandes e pequenos feitos da vida, a colega de trabalho que toda sexta feira escolhe uma pessoa aleatória do seu time para dizer “obrigada por ter feito isso por nós essa semana”. O amor é mesmo um hábito, que escolhemos ou esquecemos de criar.
Às vezes me ressinto de alguns hábitos que perdi quase sem perceber. Você se lembra quando a gente pegava o Uber e ficava conversando até chegar em casa para garantir que chegamos bem? Se lembra quando a gente ficava horas a fio no telefone mesmo após passar toda a manhã juntas na escola? Se lembra quando todo meme que eu via me lembrava você? Quando toda vez que tocava “how do you do” a gente gravava e mandava no nosso grupo? Você se lembra quando a gente trocava cartas? Se lembra quando toda quinta feira a gente ia no forró? E quando a gente fazia festas de vinho e pijama, você lembra?
O ser humano é um ser de hábitos, mas alguns hábitos demoramos a criar e outros nos apressamos em perder. Quando a pandemia acabou achei que como um passe de mágica todos os antigos hábitos voltariam a se estabelecer. Mas o mundo girou tantas voltas depois daquele fatídico 2020 que é quase como se a gente nem se lembrasse mais.
Desde então venho tentando criar novos hábitos. Alguns pegam fácil, tipo a Ivete macetando por todo o carnaval. Outros são tipo a Claudia Leitte, com sua flopada Liquitiqui. Aliás, alguém por acaso ouviu isso em algum lugar?
Fica mais fácil a gente se falar, quando se falar se tornou um hábito. Fica mais natural a gente se encontrar, quanto mais a gente se encontra. O cuidado, o carinho, o afeto quando entram na rotina vira hábito. E como eu já disse, somos seres de hábitos, precisamos deles pra viver e porque não precisaríamos deles para nos relacionar?
Parece óbvio, mas por algum motivo não é. Passamos dias e dias nos nossos grupos de amigas tentando encontrar o horário e dia perfeitos para se encontrar. Quinta é ruim porque eu trabalho até tarde, sexta é péssimo porque sempre estou exausta, sábado meu marido sempre arruma mil programações, domingo é almoço de família aqui em casa, não vai dar. Gastamos tanta energia com a tentativa do encontro, que a vontade de se encontrar até se esvai.
Se você é uma adulta de mais de 30 anos, já deve ter notado que está cada vez mais difícil passar tempo com amigas. Segundo a análise do American Time Use Survey, pessoas americanas passam cada vez menos tempo se relacionando com amigas, colegas de trabalho e familiares ao longo da vida. Não tenho os dados brasileiros, mas duvido que aqui seja muito diferente disso.
Estamos sempre com pressa e o afeto pede tempo.
Me lembro da Viviane Mosé na poesia do tempo que diz.
“Quem anda me comendo é o tempo, se bem que faz tempo. Mas eu escondia porque ele me pegava à força, e por trás. Um dia resolvi encará-lo de frente e disse: tempo, se você tem que me comer que seja com meu consentimento. E me olhando nos olhos. Eu acho que eu ganhei o tempo.”.
E complemento com Antônio Cândido que diz
“tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida, é é esse minuto que está passando. Daqui a 10 minutos eu estou mais velha, daqui a 20 minutos eu estou mais próxima da morte. Portanto, eu tenho direito a esse tempo. Esse tempo pertence a meus afetos.”
Que a gente possa então investir tempo nos nossos afetos. E já que a gente está falando de tempo, tem uma pesquisa que diz que a maior parte das pessoas adultas passa menos de 40 minutos por dia socializando - número que diminuiu 10% na última década (American Sociological Review). Outra pesquisa diz que precisamos de 50 horas para que conhecidas se tornem amigas casuais, mais 40 horas para que se tornem amigas reais, e mais de 200 horas de convívio para que se tornem amigas próximas. (Jeffrey Hall na Universidade do Kansas). Precisamos de tempo para criar vínculo, mas não temos tempo para socializar.
A força de um vínculo não depende APENAS do tempo investido, mas faz parte da equação. O sociólogo Mark Granovetter sugere uma equação para descrever a força do vínculo. Segundo ele tempo + intensidade emocional + intimidade + reciprocidade = força do vínculo.
A constância é uma das variáveis significativas na construção de afeto.
Fico pensando que talvez a criação de hábitos nas nossas relações seja uma das formas de pedir para o tempo nos comer de frente.
Ouvir a voz de alguém que a gente ama regula as nossas emoções e ligações curtas de 8 minutos parecem ser o suficiente para nutrir nossas relações e melhorar nossa saúde. (Fonte) Receber o toque de alguém que a gente ama regula nosso sistema nervoso, perceber o cuidado de alguém nos traz conforto e segurança. Uma pergunta tão simples quanto “como você está e como posso te apoiar” é um dos principais fatores para aumentar o senso de pertencimento de alguém. (Fonte Center for Talent Innovation). É simples, é pequeno, é fácil de fazer.
Mas precisa entrar na rotina para virar hábito, ou melhor precisa virar ritual. Ritual é a rotina com significado então se minha resolução é me habituar ao afeto, começo a criar meu próprio menu de rituais. Ao invés de “vamos combinar de se encontrar?”, mudei para “vamos nos encontrar toda quinta feira às 19h e quem puder vai?”. Definir, começar, sustentar, se habituar.
Te convido a olhar para as comunidades, e escolher só uma para experimentar. Você pode criar um ritual presencial, online, no telefone, por áudio. Encontre o melhor formato e a frequência, mas principalmente, sustente. Teste por um tempo esse ritual, converse sobre o que está funcionando, e não desista. No início vai ser difícil, mas se virar hábito vai valer a pena.
E não se esquecer: o amor é um hábito que eu escolhi criar.
(Foto do Jantar Pretexto, uma experiência que desenvolvemos no Instituto Amuta como um pretexto para promover aprendizado e conexão)
Até breve com mais atravessamentos,
beijos
PS: no próximo dia 06 de março a nossa musa Malú Lomando estreia seu show em reverência a Maria Bethânia no Blue Note RJ e depois no dia 08/03 em SP. Eu não perderia por nada. Segue ela no instagram pra saber tudinho (e ainda de quebra se deliciar com seu posts de ensaio):
Que reflexão LINDA, Marcelle, obrigada!!! <3
ótima reflexão.
Também penso na qualidade do tempo juntos, que possamos aproveitar os encontros para se nutrir e demonstrar afeto e poder cuidar das faíscas que também surgem. Das relações com calma, com escuta, com acolhimento e até mesmo com provocações necessárias. Tempo para digerir. Um "Slow Relationships" quem sabe =P